Feeds:
Artigos
Comentários

Assunção Esteves e Simone de Beauvoir, um paralelismo cuja lógica nos é desconhecida, mas a verdade é que a primeira a citar a segunda me leva à escrita. Melhor, leva-me a questionar se a primeira sabe que se deve ponderar se metáforas são apropriadas ou não em situações de tensão e sobretudo, se a metáfora em si não é ofensiva e despropositada pelos termos utilizados. As mesmas palavras não servem para todos as ocasiões nem se aplicam os mesmos sentidos.

Carrasco é um exemplo disso. Preocupa-me também a interpretação da primeira à citação utilizada “Não podemos deixar que os nossos carrascos nos dêem maus costumes” (que Simone de Beauvoir utilizou para se referir à opressão nazi sobre a população francesa), pois afirma “Significa que quando as pessoas nos perturbam não devemos dar atenção”.

As pessoas que se queixam do penoso trabalho levado a cabo por este governo que apenas sufoca mais a população sem fazer cortes relevantes nas suas próprias mordomias são os incómodos e os chatos… Sim, liberdade de expressão e espírito crítico, que maçada… Vamos todos comer e calar, pois coitados, os deputados e o governo estão lá de tão boa vontade a ajudar todos nós… Acho que devíamos pedir desculpa por achar que o comboio está desgovernado e temermos pelo nosso próprio futuro… Acho que devíamos pedir desculpa e ser democráticos ao protestar e mostrar a nossa indignação de uma forma minimamente civilizada, já que tão bons exemplos há neste mundo de outras formas de protesto… Preocupa-me também esta atitude de ignorar que nos perturba… Vamos apenas andar em frente e ignorar tudo o que nos rodeia, ignorar a realidade e continuar.

Parece-me insensibilidade, na melhor das hipóteses.  A interpretação da citação também me suscita algumas dúvidas, já que me parece algo mais na linha de não agir de determinada forma por influência de austeras terceiras pessoas. Sendo assim, acho que se aplicaria mais ao contrário, já que o governo ficaria melhor nessa posição, pois maus costumes têm sido aquilo com que mais nos presenteiam, e não só nos perturbam como têm sido quase carrascos para todo este país.

Irónico, no mínimo.

Vazio de argumentos

Como referido no texto anterior, tenho um interesse renovado pela causa do ateísmo. Chamo-lhe causa porque parece evidente que temos de combater o mumbo jumbo que parece renascer numa era em que seria expectável, talvez, que a supertição e crendice fossem ultrapassadas. Nesse sentido, o ateísmo corre o risco de se tornar em algo que temos de “pregar”. Mas não temos de o “pregar” ou impingir, apenas zelar por uma sociedade laica e uma religião privada.  Sobre isto poderei extender-me noutro texto.

Dei por mim a debater sobre religião na plataforma pouco aconselhável que é o youtube. Perguntei a um fanático religioso, daqueles que cita a Bíblia como se fosse tão exacta como a tabela periódica, algo muito simples: concedendo que Jesus Cristo existiu, que ocorreram milagres, e que toda a informação da Bíblia é verdadeira, como é que isso prova que Deus, ou outra qualquer entidade sobrenatural, existe?

Fiquei sem resposta, e ao longo dos demasiados comentários que se seguiram apenas vi manobras de diversão escapatórias.

Assim ficam os teístas, segurando um saco vazio de argumentos.

Frequentemente dou comigo a dormir acordado, fora do mundo, pensativo, ausente. Não consigo evitar, contudo, de estar alerta para o que me rodeia, o que me cerca. Essa mesma ausência apenas contrapõe o meu estado natural de alerta, de atento, de curioso. Sempre achei fundamental ter um tempo para pensar no dia, na vida, no mundo, para evitar precisamente ser ludibriado, conduzido, manipulado, graças aos pequenos problemas que nos distraem dos demais. Acredito também que faço ao contexto actual, todos estão a ser forçados a acordar. Todos têm de acordar e ver que sempre foram enganados, conduzidos, manipulados por um sistema que se auto-reproduz nas suas elites, que se alimentam de todo o resto para favorecer os mais próximos deles, a todos os níveis. Sempre os mesmos beneficiados, sempre os mesmos favorecidos, e nós a pagarmos a factura. Sempre o mesmo engodo e sempre caímos nalgumas mentiras ou falsas promessas, votando constantemente no mesmo corpo governativo e na mesma oposição, colaborando na sua própria corrupção por não exigirmos convenientemente que se retratassem e fossem julgados como criminosos que são. Assim, anos e anos de favorecimentos, de enriquecimentos, continuam, apesar da crise, pelas privatizações e outros negócios. Agora sabemos mais, a informação está por ai, pois a massificação da internet e das fontes de informação assim o permitem, associando uma enorme vontade de finalmente revelar as razões do nosso empobrecimento e dos erros do próprio país, para mais uma vez estarmos reféns de uma ajuda externa asfixiante. As multidões vão acordando, vão se manifestando, reclamando os seus direitos que agora a todos se agudizam pela falta de dinheiro que outrora tiveram, pela falta dos bens materiais aos quais se acostumaram, e nos casos mais graves, pela falta de comida que sempre os saciou. Agora que o fogo na alma colectiva aumenta, com as constantes achas que outrora desconhecíamos, os segredos vão sendo revelados e espero que sejam todos revelados, senão na televisão, na internet, pois não mais podemos dormir nem cair nos engodos, não podemos cair no sono do conforto material e da vida com algumas regalias, pois é certo que muito nos continuará a ser retirado, dessa forma, se não formos politica e civicamente conscientes, vamos ser conduzidos a algo semelhante novamente, se o material confortar a nossa própria barriga e se só isso importar, face à nossa inexistente exigência tudo permanecera igual.

Há ateus e ateus

O ateísmo é considerado, pelos teístas, como uma total ausência de crença, um vazio, uma nuvem de nada. Os ateus seriam então seres desapaixonados, moralmente nulos, sem uma verdadeira razão para viver. Seres menos felizes e sem luz na sua vida, para usar uma expressão mística.

As assunções anteriores são obviamente um disparate.

Contudo, há ateus e ateus. Existem ateus que, como eu, simplesmente compreendem e aceitam o facto de que não existe qualquer entidade comummente designada por deus. Outros há que militam apaixonadamente na causa do ateísmo e combatem ferozmente todos as dimensões possíveis das crenças e das religiões.

Numa dimensão à parte está Cristopher Hitchens. Este autor fez-me redescobrir o interesse pela causa do ateísmo, pela militância contra a estupidez estupidificante da religião e pela necessidade de combater os embustes que a crença no divino potencia. E que vida rica e plena teve Hitchens. E o quão interessante é a sua obra literária, todos os registos vídeo e áudio dos inúmeros debates que teve com outros tantos inúmeros crentes. Sempre tão claro e incisivo, sempre um antídoto ao veneno da religião.

Hitchens fará parte das minhas leituras nas férias do Natal. E o quão delicioso será ler finalmente o seu “God is not great” nesta altura do ano.

Vai-se indo, vai-se andando, a típica frase portuguesa que define a sua própria vida. Sempre bastante conformados com o desenrolar da sua vida, vão navegando enquanto fazem figas para que os ventos sejam  bons e os levam a bom porto. Caracteristicamente deixam se levar com medo da mudança, mesmo sabendo que são prejudicados, mesmo sabendo que uma mudança é necessária para que as suas vidas melhorem. Contudo, agarram-se a uma ideia utópica de que algo acontecerá e tudo resolverá, acreditando na solução mágica e milagrosa tirada do chapéu dum mágico benfeitor que não está à vista. Este vai-se indo, sem mudar, só andando, com medo, não querendo mudar mesmo sabendo das vantagens inerentes. O negativismo e receio lusitano carrega todo o cenário no qual a transformação é a única solução. Hoje constatamos isso, sempre criticamos a classe política que elegemos, para futuramente grande parte votar de novo nos mesmos, por medo do que a mudança pode trazer. Vamos andando, vamos indo, porque no fundo faltamos a coragem para alterar o que está mal, para ficar bem. Vamos andando, vamos indo, porque carregamos os sonhos, os desejos de algo mais, ter algo mais, a ambição de crescer, de uma outra vida que mais nos satisfaça. Frequentemente cobiçamos o alheio, sem fazer o máximo do que já temos. Vamos andando, a vida é cinzenta para nós porque somos desanimados por natureza. Achamos sempre que a vida está pior do que está e nos falta o ânimo para aproveitar ao máximo. Vamos andando, porque não encontramos bem os nossos próprios problemas, ou porque não os temos ou porque são profundos e não mexemos nele. A verdade é que esta noção de deixarmos andar, de deixar ir ao sabor do vento, a nossa inacção na vida e rejeição de tomar as rédeas na mesma levamos a sonhos curtos e ao desanimo em geral, crescendo o sentimento de impotência quando na verdade decidimos e optamos para conseguir mudar, até na política com um mero voto, apenas não podemos ter medo da decisão de mudar, pois se for informada, essa decisão será certamente pelo melhor, porque nunca nada será totalmente bom e perfeito, apenas melhor para nós.

Novo blogger

O Sociologando tem um novo blogger e já escreveu o seu primeiro post. Bem-vindo Tiago!

Os tempos são conturbados, os dias repletos de notícias políticas, financeiras, sociais, de um país a ferro e fogo, confuso, depressivo, com um futuro cinzento, repleto de ondas fortes e tumultuosas, que levam esta ocidental praia a constante sobressalto. Focando a análise, rapidamente percebemos que são necessárias reformas estruturais e legislativas, não só a nível económico mas também social e judicial. Uma constante é a violência doméstica, da qual cada vez mais ouvimos falar, pois há uma crescente divulgação dos números e imensos casos que, mesmo assim, é escassa face à sua penosa realidade. Os costumes e mentalidades podem mudar, mas perenes são a grande parte dos casos, que só com intervenção social e judicial se podem resolver. Não podemos ficar parados quando a própria humanidade nos incentiva a intervir e  mudar. Não podemos ficar sentados se vemos um crime, se vemos maus-tratos e os direitos humanos a serem brutalmente calcados. Como pode não ser legal um vizinho ou um amigo apresentar queixa de violência doméstica, se sabemos e temos provas viáveis para a polícia fazer o seu trabalho. Como não podem os polícias fazer algo e combater o crime, como podem eles não tomar uma atitude perante algo que todos sabemos errado, perante atentados e agressões aos direitos humanos dos cidadãos e à sua liberdade? Como pode não ser legal que a protejam? É necessário reformar a lei para realmente travarmos estas perigosas atitudes que chocam a sociedade civil, que atentam contra a nossa própria humanidade. É necessário que, já que tanto falamos da vida alheia e não só nas pequenas comunidades, que normalmente saibamos sempre do que se passa com o vizinho, já que estamos cientes do que se vai passando, devemos poder também ajudá-lo, devemos intervir e salvar quando necessário das garras da tortura e do pesadelo que é a violência doméstica, pois a vítima precisa quase sempre que a ajudem, que a puxem e lhe mostrem a saída, a vítima precisa de ajuda, precisa que lhe mostrem que merece ser feliz e que a felicidade não se faz de terror psicológico e físico. É preciso intervir e todos nós podemos ajudar. Vivemos tempos difíceis mas não devemos esquecer os próprios valores de humanidade que nos definem.

 

Pouco tempo depois de rejeitar aquele emprego manhoso consegui um part-time como “escriturário”, ou melhor, como funcionário de apoio ao cliente no “harrods” português (espanhol, na verdade). Quando pensamos nas coisas com a maturidade que o tempo nos dá vemos sempre pormenores que nos escaparam anteriormente. Este deve ter sido dos poucos empregos em que ir a uma entrevista com um blazer e sapatos, muito aprumadinho, fez a diferença. Olharam para mim de forma diferente desde o início. Isso, e ser o meu primeiro emprego oficial também lhes fazia jeito, pois claro.

Exames ao sangue e à urina foram feitos logo a seguir à minha seleção, não fosse eu ser um drogado ou um doente qualquer. Tive de comprar fatos, camisas e sapatos para trabalhar. Nunca me ajudaram com essa despesa.

Não foi um trabalho fácil. Senti pressão muitas vezes, aturei muitos parvalhões, aprendi muito.  Nunca me deram asas para aprender muito mais porque o meu destino estava definido. Ao fim de um ano de trabalho não renovaram o contrato. Quando fui acertar contas deram-me o que para mim era um “dinheirão”. Pelas minhas contas até me pagaram mais do que deviam em ordenado, subsídios,  etc. Nada mau.

Nessa altura, em que pisava pela última vez o chão daquele sítio, vi o fim de um ciclo e o início de outro. Decorria já a formação de mais um grupo de novos funcionários, quase todos no primeiro emprego, cuja contratação beneficia a empresa durante um ano apenas. Depois troca-se. Eu chamo-lhe uma espécie de leasing de pessoas.

Tal como o nosso primeiro-ministro disse, não podemos ver o desemprego apenas como uma tragédia. Para mim foi de facto uma oportunidade. Cada empurrão que me foram dando para fora de Portugal foi o melhor que me podiam ter feito. Não muito tempo depois de eu sair do tal “harrods” deu-se uma razia completa no número de funcionários. A crise tinha começado a bater a sério. Não tenho números concretos, e estarei apenas a especular, mas estimo que entre 30% a 40% das pessoas saíram. No meu departamento foram cerca de metade. Para as alturas em que estavam 7, 8 ou 9 pessoas a trabalhar eram agora necessárias apenas 3 ou 4 e tinham, ainda assim, um trabalho tranquilo.

Não me renovarem o contrato acabou por ser uma poupança do meu tempo. Não perdi mais tempo num emprego sem possibilidades de progressão na carreira e, como se viu, sem futuro.

Retratos do trabalho

Em conversa com um colega meu sobre o trabalho em Portugal acabei por relembrar-me de todas as experiências de trabalho e de quase-trabalho que vivi. Revezámo-nos a contar as nossas histórias, pessoais e de conhecidos, cada uma mais escabrosa do que a outra.

A minha primeira experiência de quase-trabalho em Portugal, quando ainda estava a terminar a licenciatura, foi numa empresa de telemarketing. Empresa é um termo lisonjeiro, eu chamaria àquilo um conjunto de salas num prédio manhoso com uns telefones e uns papéis com nomes e números de telefone listados.

Enviei o currículo porque, já na altura, conseguir resposta de uma empresa era algo raro. Eu queria um part-time para conjugar com a faculdade, e achava que conseguiria aguentar 4 horas por dia num sítio daqueles.

Fui à entrevista e fui selecionado. Tão simplesmente isto. O ordenado? Cerca de 300€ por mês e comissões das vendas. No dia seguinte deveria ir novamente ao escritório para ter “formação”. A “formação” era tão só uma mulher ditar-me um texto que eu deveria repetir a cada um dos “potenciais clientes” e deixar-me sozinho a ler uns panfletos publicitários de uma empresa de telecomunicações, durante uns minutos.

De seguida, uma curta apresentação aos atarefados colegas de telemarketing e ao meu lugar, ali disponível. Devia sentar-me e começar de imediato a ligar. Olhei à minha volta. Vi aquele sítio cinzento, aquela gente stressada, aquela monotonia da repetição pior que um tic tac de relógio. Passado 15 minutos de reflexão, sem fazer uma única chamada, saí. Disse que aquilo não era para mim, que era insuportável, e saí.

De volta

Não sei qual terá sido a principal razão que me fez deixar de escrever neste blog durante anos, por isso vou eleger “a crise”.

“A crise” fez-me deixar de acreditar em Portugal há mais de dois anos. Se não acreditava no meu próprio país certamente que também não acreditava no meu futuro enquanto seu residente, cidadão, trabalhador, jovem.

Então saí. Às vezes digo orgulhosamente que fui dos primeiros da minha geração a abandonar o barco, sabendo que “a crise” era para durar. Não sei se é verdade ou não mas gosto de pensar que consegui ver mais longe do que muitos outros.

Saí desistindo de ser sociólogo. Saí desistindo do meu país.

Encontrei algo que nunca tinha tido antes. Independência, respeito no meu emprego, liberdade, novos desafios, felicidade.

Por isso arrumei a sociologia, nunca deixando de olhar o mundo com um olhar sociológico.

Agora volto com o intuito de voltar a escrever e, por ventura, reestruturar o Sociologando.

O Mapa dos Valores

http://www.worldvaluessurvey.org

Um mapa-mundo muito interessante que distribui os países em duas dimensões de valores: valores de sobrevivência vs. valores de auto-expressão ; valores tradicionais vs. valores secular-racionais.

Portugal está, curiosamente, mais próximo da América Latina do que da Europa do Norte. Situamo-nos longe dos valores de sobrevivência, mas ainda muito próximos dos valores tradicionais.

Repare-se na importância da religião e do desenvolvimento económico e social para o posicionamento dos países em termos de valores e mundividência. Particularmente interessante é a oposição entre católicos e protestantes.

“The sun always shines on tv” – A-ha

Na frente?

Quem circula diariamente por Vila Nova de Gaia pode ver, espalhados um pouco por todo o concelho, cartazes de propaganda? política do PSD para as Autárquicas 09. O primeiro cartaz que vi foi o da minha freguesia (Valadares)  e lá estava o slogan «Valadares na frente». Perguntei-me logo “Na frente do quê?”. Qual é o significado objectivo daquela frase? Não vejo em que é que estamos na frente, a não ser no campeonato dos velhotes mais compridos do mundo.

Depois lá vi os restantes cartazes das outras freguesias. Mafamude na frente, Madalena na frente, Santa Marinha na frente…  Estão todas elas na frente de alguma coisa, não se sabe bem do quê. No Porto o slogan é diferente, mas a uniformidade entre as diversas freguesias mantém-se.

Os cartazes são a única forma de os políticos chegarem à maioria dos eleitores. Não tenhamos ilusões. Uma cara, uma frase, um símbolo, são o pouco que muitos têm para decidir em quem votar. Qualquer slogan político é em si mesmo uma mão cheia de nada, ou quase nada. Se nem o slogan é original, ou específico para os eleitores a que se destina, como é que se decide?

Uma escolha miserável do marketing político do PS.

Revivalismos

80s Há uns tempos fui a uma sessão de debate sobre “revivalismos” e não liguei patavina. Disseram-se poucas coisas interessantes, e o mais perto que estive de assistir a um espírito revivalista foi quando se projectaram fotos do Porto nos anos 60 e 70. O revivalismo, para mim, é uma revisita do passado, um retorno com novos contornos, uma tentativa de reviver uma experiência, um ambiente, um modo de estar. Obviamente que não se falou de nada disso.

Na altura eu não tinha a consciência de que era, de certa forma, um revivalista. Isto porque gosto de revisitar tempos que não vivi. Música, cinema, arte em geral. Revisito os anos 80 na música e no cinema, mas não os vivi. Nasci a meio da década de 80 e às vezes acho que devia ter nascido em 74 ou 75.  Revisito a época medieval nas feiras medievais de verão, e nas minhas visitas a monumentos, como tanta gente o faz. Revisito o Porto oitocentista nos meus passeios curiosos.

Revisitar é viver?

“The Captain of Her Heart” – Double

«Bom, caso tenham estado a viver enterrados num buraco (no gelo! – har har), nós pinguins, sobretudo Eu, o Miguel, o Guilherme e o Gonçalo, estamos deveras insatisfeitos com as nossas vidas. Quero tentar explicar algumas das razões pelas quais isso acontece, de um ponto de vista principalmente pessoal (mas haverá quem se identifique com o que escrevo, mesmo se o ‘estamos’ é só para não estar sempre a utilizar a primeira pessoa do singular); talvez identificar alguns dos problemas nos ajude a combatê-los; mesmo que não, apeteceu-me escrever isto e achei que o devia partilhar convosco. Creio que todos (sim, eu também) somos culpados dos males que se seguem. Sei que todas as questões se ligam umas com as outras; esta foi a ordem possível. Talvez me tenha também esquecido de mencionar alguma coisa. (Ah, espero sinceramente que ao lerem isto não fiquem “ah, agora é que estou mesmo deprimido”.)

Porque estamos Velhos

A sério: quantas vezes vos acontece algo do género de ler, com inveja, que alguém tem 16 anos ou assim e pensar “bom, também só tenho mais… QUATRO anos!?!?”, o que leva imediatamente a “OMFGOMFG&c, sou tão velho! que horror! o que é que aconteceu ao tempo?”. Certamente muitas. A mim também: só de pensar que as irmãs do Guilherme, do Alex e do Berna têm a idade com a qual eu saí do liceu… Sentir-se velho, de vez em quando, é natural; mas nós, por causa da inutilidade das nossas vidas, não temos conseguido lidar bem com a passagem do tempo – como se por não o aproveitarmos não quiséssemos que passasse.

Porque estamos Velhos

Às vezes penso que nas nossas cabeças não somos muito melhores do que há uns anos. Por vezes dou-me conta de que a minha transição da adolescência para a ‘adultidade’ falhou profundamente. Não temos nenhum conhecimento empírico da vida, não adquirimos quase nada com a nossa passagem à idade adulta, não evoluímos. Claro que isto acentua a ideia de “o que é que aconteceu ao tempo?”, o que nos deixa ainda mais deprimidos.

Porque somos Inúteis

Talvez a mais óbvia e abrangente. Nós não fazemos nada. Estamos umas horas na faculdade, estudamos um bocadinho e depois vamos para o computador ou entretermo-nos de qualquer forma estúpida e inane. Não trabalhamos para ganhar dinheiro e experiência. Não estudamos fora do currículo universitário. Não praticamos desporto. Não tocamos música, não escrevemos textos, não vamos a museus, não vamos conhecer pessoas, não vamos passear, não ficamos sequer sentados em qualquer lado a trocar ideias. Desperdiçamos o nosso tempo inùtilmente. Assim, como podemos ter testemunhos, tangíveis ou não, da nossa realidade biopsicotemporal, da nossa vida? É sobretudo por isto que não nos damos conta do tempo passar.

Porque somos Preguiçosos

Bom, queixamo-nos, mas a verdade é que a culpa de estarmos assim é (quase) toda nossa. Não fazemos nada para contrariar isto (ou não o fazemos sèriamente). Repetimos muito, muito mais “temos de….” do que fazemos, realmente, o “….”. Eu queixo-me da fac, mas ainda não me mentalizei para me mudar mesmo. Queixo-me da minha família, mas não tomo decisões assertivas com vista a sair daqui. Talvez tenha a ver com sermos uma data de putos mimados e preguiçosos habituados a que lhes tratem dos problemas. Acho que é forçoso e urgente pararmos com as merdas de “devíamos” e começarmos a agir.

Porque estamos Assim

Estamos assim porque estamos assim? O RLY? YA RLY. Acho que se algum de nós tentasse fazer um esforço para tentar corrigir o que vai mal na sua vida e partilhasse isso com os outros, iríamos por arrasto lentamente melhorar-nos, qual grupo de  ex-toxicodependentes. Infelizmente, nós (todos nós) quase só nos sabemos queixar ou propôr parvoíces que não levarão a lado nenhum, e assim será difícil saírmos deste estado.

Porque estamos Sós

Quando estávamos no lycée, estávamos sempre ao pé uns dos outros. Trocávamos ideias sobre as aulas, partilhávamos as parvoíces que nos passavam pela cabeça, colapsávamos de estupidez… Hoje, passo a maior parte do tempo por mim: não tenho ninguém com quem conversar ou apenas com quem estar – também raramente fizemos novos amigos… Além disso, quando nos encontramos, acho que perdemos um bocado aquela naturalidade que tínhamos na escola, de simplesmente estar ali. Tenho-me dado conta do quanto sinto falta disso, por parvo que pareça.

Porque estamos Sós

Bom, aqui refiro-me à outra solidão. Às vezes não se sentem chateados por não terem ‘namorado/a’? Quando penso no tempo ao qual não tenho intimidade física (e não só: ‘this, that and the other’) com outras pessoas fico realmente pasmado. Mas que raios aconteceu?

Porque a Universidade não presta

Eu tinha uma ideia algo ingènuamente idílica de quando fosse para a universidade: um sítio moderno e cosmopolita, onde se cultivasse e respeitasse o saber, onde se sentisse o poder do conhecimento. Em vez disso, hordas de idiotas estúpidos e barulhentos; professores incompetentes; um campus horroroso; um espaço e uma entidade decadentes e pouco acolhedores. Sinto-me mesmo desiludido com a Universidade em si.

Porque estamos Desiludidos

Já mencionei como a universidade me desiludiu; mas, sinceramente, nada na minha vida é como eu pensava há uns anos. Pensava em estudar algo que me interessasse, vivendo por mim, tenho uma vida interessante; toda a minha situação actual me desilude. Também estou muito desiludido comigo próprio, por tudo isto de que falo e sobretudo por não ter feito nada quanto a isto (um círculo vicioso de inacção).

Porque estamos Sensíveis

Acho que me tornei muito mais sensível à infelicidade. Dantes, podia estar sem fazer nada, podia ter um dia de merda, podia estar ao pé de gente odiosa. Agora, tudo isso me torna chateado ou infeliz ou neurasténico. Talvez por estar mais insatisfeito em geral? É provável que quando me sinta mais bem-disposto, em geral, com a vida isto me passe, mas por enquanto muitas pequenas coisas me indispõem demasiado, o que é muito chato.

Porque estamos Estúpidos

Menciono isto frequentemente: sinto que estupidifiquei imenso desde que entrei para a faculdade. Falta de interesse pelas aulas, falta de trabalho regular em casa (e de vontade de o fazer), falta de amigos ou colegas que nos estimulassem a nos ultrapassarmos.. Sinto que decaí mentalmente: tenho dificuldades de raciocínio, de concentração, de memória, e isso chateia-me imenso. Sei que alguns de vós concordam. Isto, claro, faz com que tenhamos uma má auto-estima, o que não ajuda nada a que tentemos melhorar a nossa situação.

Porque estamos Podres

Bom, este título era mais para manter o estilo. Refiro-me à nossa decadência física. Fazemos muito pouco desporto, e isso, para além de influir negativamente na nossa saúde em geral (incluindo na nossa saúde mental) e de ser outro factor de não-experiência (bom, eu não me posso queixar tanto, sempre tenho umas competições de vez em quando), também nos faz pensar com nostalgia no passado, em que estávamos mais em forma.

Pronto. Lede, catartizai, talvez reflecti, quiçá comentai.

Eduardo Mendonça, CC BY-NC-ND»


texto recebido através duma espécie de spam mail e divulgado aqui porque sim

“Love will tear us apart” – Joy Division

O Café do PS

12-2-2008-dsc000831Café do PS, em Valadares

Há uns tempos atrás, Pacheco Pereira publicou esta foto no seu blogue. Enviei-lhe a foto porque era uma curiosidade, mas também porque era uma forma de criar uma pequena interacção com um intelectual conhecido da nossa praça.

Recupero-a agora, e edito-a no meu blogue.

É um café/tasca que supostamente está afecto ao Partido Socialista, mas não é propriamente frequentado pelos seus militantes. São homens, para cima da meia-idade,  com rendimentos baixos, e capital cultural fraco, os frequentadores habituais do café. Lá dentro, uma fotografia do Jorge Sampaio na parede, algumas mesas, e uma sala de jogo improvisada nos anexos.

Nunca encontrei mais nada deste género em Portugal, e por isso a curiosidade da coisa. Aqui fica a foto.

Queridos Anos 80

Para mim, um blogue de referência na constante redescoberta da música dos anos 80.